PROJECTO TOMATE
corpo. trabalho. pobreza Qui, dans l’épaisse nuit qui couvre la nature... (Voltaire) *uma memória Em Julho, um amigo, o Pedro Ruiz, convidou-nos a visitar uma pequena ilha constituída por duas casas em ruínas, situada no Porto, nas traseiras da galeria K11 Paiol Azul, em frente ao Palacete Pinto Leite. O simples atravessar de uma rua separa a imponência de um Palacete do rasto de miséria e sobrevivência de uma ilha. Nesta, viveram duas idosas, pobres, as quais, entretanto, morreram. Rodeando uma das casas, distingue-se um extenso tomateiro cheio de frutos, quase todos pequenos tomates verdes. Porém, num deles, maior e já maduro, era visível uma grande fissura, idêntica às que atravessavam as paredes daquelas casas abandonadas ou às que encontramos desenhadas no corpo sob a forma de cicatrizes. Assinalava a possibilidade de, a partir de um fruto, se enunciar a linguagem do prazer ou da culpa, da pobreza e da desigualdade. O tomate foi congelado e abandonará esse estado no dia da inauguração, a 7 de Maio de 2021. Um tomate como sujeito-objecto, possível ethos do discurso. |
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TOMATO PROJECT
body. work. poverty Qui, dans l’épaisse nuit qui couvre la nature... (Voltaire) *a memory In July, a friend of mine, Pedro Ruiz, invited us to visit a small workers' row houses area (one of the so called islands) in ruins, located in Porto, behind K11 Paiol Azul gallery (in front of Palacete Pinto Leite). The simple crossing of a street separates the grandeur of a palace from the trail of misery and survival of an island. It was inhabited in the past by two poor old women who, meanwhile, have died. Surrounding one of the houses there was an extensive tomato garden full of fruits, almost all small green tomatoes. However, in one of them, larger and already mature, a large fissure was visible, identical to those that crossed the walls of these abandoned houses or to the ones drawn in some bodies in the form of scars. It pointed to the possibility that, from one fruit, the language of pleasure or guilt, poverty and inequality - the language of survival - could be enunciated. The tomato has been frozen and will leave that state during the opening day, on May 7th, 2021. A tomato as subject-object, a possible ethos of speech. |
*um projecto
O corpo. Como no filme de Bong Joon-ho, Parasitas, a pobreza tem cheiro. O mesmo cheiro. E cheiram mal aqueles corpos. As casas também. A desigualdade social atravessa-as. A desigualdade também se transmite. Palácios e ilhas. As casas das pessoas. Umas são ricas e outras são pobres. Corpos de trabalho, de sobrevivência, divididos em modos de produção, por vezes transformados em modos de repressão. O operário social está em todo o lado, da fábrica à universidade. Um trabalho sem prazer num corpo sem prazer. Como no mundo de Kasper Hauser, no filme de Herzog, há corpos que desconhecem as casas. Apenas sabem algumas palavras e ainda não entendem a poesia mas aspiram tocar piano ao ritmo da respiração. Necessidade e desejo figuram como terreno comum do que no tempo se vai constituindo e dando conta de obstinados modos de ser. Resistindo à armadilha do medo, nobres sabores e odores do prazer são convocados. Fazem vibrar um outro corpo que desorienta e subverte. Apelando à função poética que perturba as divisões hierárquicas, o corpo alimentar combina todos os delírios. É a violenta linguagem da vida que fala através do organismo (Nietzsche e Artaud), da orgia (Sade), do campo de forças (Deleuze), do que é produto da organização social (Marx). No corpo que afirmamos como cadeia sem princípio nem fim, é a libertinagem, a ordem da vida libertina, a lei sem lei do desejo, e não a da sexualidade, como tão lucidamente Foucault considerou a propósito de Sade, que aqui nos importa nomear. Todos os sons do desejo, todos os desprendimentos do pensamento. A liberdade sem fim à vista. Há quem escolha o reino das submissas e entediantes zonas de sombra. Como em Parasitas, poderemos continuar a fingir que não somos família. Preferimos, todavia, quadros mais luminosos. |
*a project
The body. As in Bong Joon-ho's film Parasite, poverty has a smell. The same smell. And those bodies stink. Houses too. Social inequality crosses these places. An inequality that is also transmissible. Palaces and islands. People's homes. Some are rich and others poor. Bodies of work, survival bodies, divided into production modes, sometimes transformed into modes of repression. The social worker is everywhere, from the factory to the university. A work without pleasure in a pleasureless body. As in the world of Kasper Hauser, in Herzog's film, there are bodies that do not know what a house is. They can only grasp a few words and still don’t understand poetry but they aspire to play the piano in the rhythm of breathing. Necessity and desire stand as common ground of what is building up in time, revealing obstinate ways of being. Resisting the trap of fear, noble flavours and smells of pleasure are called upon. They cause the vibration of another disorienting and subverting body. Appealing to the poetic function that disturbs hierarchical divisions, the alimentary body combines all delusions. It is the violent language of life that speaks through the organism (Nietzsche and Artaud), the orgy (Sade), the force field (Deleuze), through what is the product of social organization (Marx). In this body which we affirm as a chain without beginning or end, it is libertinage, the order of libertine life, desire’s lawless law, and not sexuality’s law, as Foucault so lucidly considered concerning Sade, which we must name here. All sounds of desire, all detachments of thought. Endless freedom. There are those who choose the realm of submissive and boring shadow zones. As in Parasite, we may continue to pretend that we are not relatives. We prefer, however, brighter pictures. |
Curadoria / Curator: Eduarda Neves
Design gráfico / Graphic design: Luís Sousa Teixeira
Fotografia/ Photography: António Alves
Design gráfico / Graphic design: Luís Sousa Teixeira
Fotografia/ Photography: António Alves